Com certeza algum dia você já assistiu atônito algum pai ou mãe sem reação diante de algum comportamento desafiador dos filhos em um ambiente social. Certamente, também assistiu à cena de uma crise de birra infantil. Diante destes eventos, você mesmo pensou ou ouviu alguém falar: “Esta criança precisa de limites!”
Esta frase remete sempre à evidência de que há algo errado na forma de educar a criança, embora a grande maioria dos pais esteja sempre se desdobrando e procurando melhores formas de educar. Esta é a grande característica dos tempos modernos: nunca se pensou ou se produziu tanto em razão a uma pedagogia da infância e da adolescência. Em toda a história social da criança, ela nunca esteve tão em evidência, nem nunca teve adultos tão sensibilizados em relação à suas necessidades, o que ao mesmo tempo é benéfico e maléfico.
A criança de hoje é a protagonista na família e na escola, o que se mostra através da troca de importância nos papéis sociais na família e na educação. Pais e educadores enfrentam diariamente o desafio de transmitir regras e valores, mas ao mesmo tempo garantir às crianças um ambiente saudável, que desenvolva nas mesmas o sentimento de segurança, promovendo sua autoestima.
Diante de um fenômeno que faz da infância protagonista dos eventos sociais, o caminho mais curto e fácil é o mimar e o satisfazer, que é muito eficaz à curto prazo, mas que se transforma em um sentimento de insegurança no longo prazo. Sim, nós temos dificuldade em impor limites porque amamos demais, porque desejamos a toda prova o bem-estar dos pequenos e porque queremos ser amados e admirados por eles. Ao mesmo tempo em que ocorre uma infância protagonista, temos adultos com medo de falhar e de não satisfazer.
Quem impõe limites ao comportamento infantil está se arriscando a não ser necessariamente querido naquele momento. Arriscando-se a cultivar algumas brigas, raiva e até comportamento de ira na criança. Para que o adulto sustente esta ação, precisa necessariamente de segurança e convicção de que está indo no caminho correto, mas a obrigação de não cometer erros, de fazer tudo exatamente como informam os manuais e os educadores, acaba por gerar mais incertezas do que esta segurança.
Quando os limites ficam mal estabelecidos ou frouxos, ou quando eles não existem, o que reina é a insegurança, o que faz com que as crianças testem todas as possibilidades para assim perceber até onde podem avançar. Apesar dos muitos protestos, as crianças não sofrem com estabelecimento de limites, muito pelo contrário, elas ganham orientação.
Limites efetivos são estabelecidos por pessoas claras e firmes. Firmeza não tem nada a ver com nenhuma forma de autoritarismo, com gritos, berros, violência física ou verbal, mas sim com consistência, ou seja, a firmeza é a certeza de que aquele determinado limite não se modificará de acordo com o humor da criança ou dos pais ou com algum evento externo. Transmitir limites com clareza significa adotar postura e tom de voz adequados, com calma interior e principalmente confiança e respeito mútuo.
Colocar limites não é, de modo algum, castrar ou impedir a criatividade e a ação da criança, mas sim, encorajá-la e soltá-la para as vivências da sua idade a fim de encontrar seu verdadeiro papel, o que levará a alguns arranhões e choro. Dar limites não é proteger demasiadamente a ponto de evitar o confronto com a realidade, mas sim permitir que as experiências aconteçam de acordo com sua maturidade. O excesso de proteção gera adultos inaptos.
Se impor limites não é proibir, também não é castigar, porque um limite se coloca anterior ao comportamento e não como sansão, que é o que vem depois de um uma ação errada. Ou seja, não se está impondo um limite ao se castigar a criança retirando dela um brinquedo, mas sim quando você lhe informa que as regras da situação.
Os limites servem para oferecer a direção à criança em suas ações no ambiente e mostrar a ela qual é ou não é o seu lugar naquela situação. Ensinam a criança a reconhecer, julgar e a agir nas situações, dando a ela uma perspectiva de até onde pode ir. Por esta razão, limites não ocorrem como um freio de uma situação em curso. Os limites devem ser colocados não como ordens ou dogmas, mas sim como reflexões sobre as ações.
A neurociência atualmente nos mostra aquilo que psicólogos do desenvolvimento já reconheciam na análise do comportamento infantil. As crianças muito pequenas têm importante dificuldade em frear um comportamento em curso, porque ainda não possuem adequada funcionalidade das estruturas cerebrais responsáveis pelo controle inibitório, sendo consequentemente, mais impulsivas.
Isto significa que limite, análise, julgamento e consequência necessitam ser transmitidos externamente, de maneira consistente e repetitiva, até que estas conexões se tornem funcionais e a criança possa fazê-lo por si só. O problema é que isto está em franco desenvolvimento durante toda a infância e adolescência. Estas conexões fazem parte das funções executivas do nosso cérebro, que podem sofrer alterações até a segunda década de vida e são responsáveis, além do controle inibitório, por julgar e antecipar dados de uma situação, ou seja, pelo juízo, também pela flexibilidade mental e pela autorregulação emocional.
A autorregulação de respostas emocionais é uma importante conquista dentro das tarefas de desenvolvimento infantil e se mostra como um fator protetor diante das situações de estresse. Limites geram oportunidades para a criança suportar e tolerar frustrações, mas também geram a oportunidade de reconhecer suas emoções e suas deficiências e regular as respostas emocionais que trarão consequências sobre o ambiente. O reconhecimento das emoções e de como respondem aos eventos traz a possibilidade à criança de aprender a autorregular suas emoções diante de situações de estresse ou frustração. A autorregulação emocional é importante para desenvolver crianças mais adaptadas e ajustadas ao meio social. Crianças com dificuldade em autorregular as respostas emocionais se tornam mais vulneráveis a situações de estresse.
Hoje em dia, vemos muitos pais utilizando o tablet como ferramenta de controle comportamental, como no passado, os aparelhos de televisão eram as ditas babás eletrônicas que entretinham por horas as crianças. O grande problema é que o tablet está à mão em qualquer situação, então, diante do mínimo desconforto ou impaciência da criança, ele lhe é fornecido, mas ele tem uma diferença muito importante da televisão, pois a criança o controla e reinicia a ação quantas vezes ela quiser e sem intervalos comerciais! A área de recompensa de seu cérebro fica plenamente ativada, ao invés de sentir um pequeno desconforto ou tédio em aguardar a comida chegar num restaurante, por exemplo. O pior é quando se faz isto diante do choro ou birra. Crianças precisam aprender a esperar a vez, a autorregular-se em uma crise de choro ou birra, a tolerar frustrações e para isto, necessitarão ser orientadas por um adulto que as ensinará a analisar a situação e a consequência de seus atos. O tablet não ensina isto, ele apenas desvia a atenção e muda o foco. O tablet deve ser utilizado como ferramenta de estimulação e diversão, não como ferramenta de controle de comportamentos difíceis.
Impor limites e educar não é uma tarefa fácil, gera dúvidas e exige uma boa dose de coragem. Não há regras a seguir, não há um manual que ensina o caminho correto.
O importante não é o que os pais falam aos filhos quando estabelecem limites, mas sim como falam, como praticam estes limites, como vivenciam. O sucesso se dá na postura educativa, na forma, mais do que no conteúdo.
Dar limites é orientar e dar segurança, respeitando e considerando a dignidade e o papel da criança em seu nível de maturidade, contribuindo assim para o fortalecimento de sua autoestima.
Ana Paula Cuocolo Macchia
CRP 06/31957-6
Psicóloga pela Universidade Metodista de São Paulo.
Neuropsicóloga pelo Hospital das Clínicas – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental pelo CETCC.
Formação em Terapia do Esquema pela WAINER
Psicopedagoga Clínica e Institucional pela Universidade Metodista de São Paulo.
Especialista em Aprendizagem pela Faculdade de Medicina do ABC.
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